Chez nous

Filha, estamos de volta! Depois de sermos muito bem tratados pela Itália, ontem retornamos a Paris! É muito estranho chegar em Paris com uma sensação “banal” de retorno, sem a excitação que sempre me arrebatou cada vez que cheguei nessa cidade. Isso não significa que a chegada não foi boa, ao contrário, é que a felicidade em chegar teve um sabor completamente diferente das outras chegadas aqui.

A casa do Maurice virou mesmo lar, porque essa foi a sensação que tive ao entrarmos no ap da Rue d’Avron! E o Maurice nos recebeu como bons filhos à casa tornando! Aliás, acho que essa coisa de chez nous acabou ficando um pouco exagerada: um pouco mais tarde, você virou pro Maurice e perguntou: “o que você tá fazendo aqui, Maurice?”. A nossa reação não podia ter sido outra, né? Muitos risos! Eu tava vendo a hora de você expulsar o Maurice da casa dele!!!!

Hoje já recomeçamos o trabalho, já que teremos uma última semana antes de fechar essa etapa, então a areia da ampulheta tá correndo na velocidade da luz!!! Chegamos na sala de ensaio do Soleil e começamos na mesa, primeiro relatando como foi o trabalho com a Francesca, e as contribuições e possibilidades que trouxemos da Itália.

Depois, o Maurice nos passou como será a agenda da semana. Temos a sala do Soleil, além de hoje, amanhã, quinta e sexta. Ou seja, quatro dias de trabalho. Na quarta o Épée também não está disponível, sequer pra fazermos a prometida moqueca, ou seja, vamos ficar devendo esse presente pra eles, por mais que não tenhamos feito por impossibilidade de agenda deles, e não por nós. No sábado, devemos fazer uma reunião em casa pra fechar o trabalho, já que domingo o Maurice viaja e, na segunda, nós.

Optamos então por fazer assim: hoje organizaríamos o material pra trabalhar a Tempestade, e amanhã vamos à cena. Na quinta organizamos o material do exílio, e na sexta fazemos. Das cenas da Tempestade, vamos tentar trabalhar as duas primeiras – da tempestade em si (contramestre) e da Miranda com o Próspero – e, se der tempo, pegar um pouco do Caliban, que foi um material muito interessante, mas que exploramos pouco.

O Maurice ainda contou um pouco sobre o workshop que o Soleil fez com Robert Lepage nessa última semana, e sobre o espetáculo solo que ele assistiu, com o próprio Lepage em cena, chamado 887. A peça, auto-referente, fala sobre um cara que precisa decorar um poema, mas não consegue de forma alguma. Ele então pede ajuda a um amigo que é ex-ator, e esse cara vai visita-lo em sua casa. O amigo vem, mas é imaginário. Ele o recebe, oferece um chá, vai preparar, e fica fazendo uma série de ações cotidianas concretas enquanto conversa com ele. Segundo o Maurice, isso fez com que todos enxergassem o interlocutor sem que o ator precisasse ficar fazendo um esforço pra mostra-lo. Procurei mais informação sobre esse trabalho do Lepage, e descobri que ele fez algumas pré-estreias aqui na França, pra estrear no Canadá no segundo semestre. Pelas imagens do clip de divulgação, deve ser incrível! Pena que perdemos…

Quando começamos a organizar que material precisaríamos pras cenas de amanhã, um episódio muito curioso: a Paula, listando os elementos do figurino, lembrou que o contramestre usava uma corda na cintura, por onde o Ariel o puxava. No entanto, o Maurice disse que, na França, ninguém de teatro falava “aquela palavra”; poderia falar linha, barbante, qualquer coisa, menos corda, que dá azar. E explicou a superstição: após a expansão ultramarina francesa, houve uma queda na atividade naval e muitos marinheiros ficaram sem emprego. Muitos deles vieram para o teatro, trazendo consigo o know-how de, por exemplo, todos os nós que são dados na cenotecnia, etc. Além disso, eles também trouxeram as superstições, dentre elas essa da corda, que é uma palavra cujo único uso em embarcações é para fazer referência a enforcamento! Por isso, até hoje ninguém de teatro fala “essa palavra” na França! E agora, o que fazemos, já que o texto do Shakespeare na primeira cena tem ela!!!!??? (risos)

Em seguida, fomos organizar o material. O Maurice refez a borboleta e fez uma outra, maior, a Paulinha separou o figurino de cada personagem, e assim deixamos tudo mais ou menos pronto pra amanhã. Allez!

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6 comentários sobre “Chez nous

  1. Passei uns dias sem passar por aqui e de repente chego para acompanhar exatamente o final…feliz por vocês, esperando em breve ver o espetáculo aqui no Brasil. Beijos e aproveitem muito os últimos dias chez vous…Nos veremos aqui com certeza…Obrigada por dividirem lindamente essa “viagem” conosco…

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    1. A correria e a ressaca desse final estão deixando a frequência no blog meio capenga, Deolinda, mas antes de voar de volta ao Brasil, quero deixar em dia! Beijos!

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  2. Aê, Fernando! Tá chegando ao fim, camarada!!! Apesar de curtir todo o imaginário da viagem e acompanhar cada passo do processo de vocês aí, é claro que ansiamos muito pelo retorno de vocês, para matarmos a saudade e também tentarmos absorver e nos alimentar um pouco de tudo o que naturalmente se traz de uma grande jornada como essa. Esses quase três meses pareceram um ano, no mínimo, e (talvez vocês não tenham essa noção, por estarem dentro do quadrado) a impressão que tenho daqui é de que vocês voltam totalmente transformados por esta tempestade. Que maravilha!

    …queixo caído com o trabalho do Lepage… Putz!!!! Muito interessante!!!

    …pelo que sei, no Brasil também não se usa o termo “corda”, nas embarcações, e sim “cabo”, não é? Imagino que “cabo” não se encaixa bem no texto…!!!! hahahahaha

    Valeu, meus queridos.
    Grande abraço

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  3. Cara, está primorosa a apresentação e fabuloso o conteúdo. Que gostoso navegar pelas águas dos textos de vocês… como flui. Parabéns pelo espírito de militância ao teatro de vocês. Belinha vai ter um puta orgulho de ler estas linhas quando crescer. Forte abraço.

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