Filha querida, depois de dois dias de descanso, após oito seguidos de trabalho, retornamos a Firenze. Nesta segunda e terça estivemos em Siena, aqui na Toscana mesmo, uma cidade inesquecível. Além do descanso, também foi uma importante pausa pro trabalho da Francesca, que é muito intenso e específico, dar uma assentada no corpo da tua mãe.
Chegamos na Santa Maria Novella com muita chuva, a maior que pegamos nesta temporada europeia. O clichê da pieguice me pede pra dizer que Firenze chorava pela nossa despedida, mas não vou fazer isso! (risos)
Diferente dos outros dias, que costumo fazer os relatos do trabalho à noite, quando chego em casa (ou no dia seguinte), hoje estou escrevendo enquanto você perambula pela casa da France, em meio às bolinhas do Ernani e come uns riccioli de carnevale. A Paulinha, enquanto isso, vai fazendo a derradeira aula da France, volta e meia tendo você como parceira, fazendo “ma-me-mo”, “zzzzzzz” ou o clássico “i-i-i-i-i”.
Sempre gosto muito de assistir essas aulas, mas é um trabalho que exige muito de quem tá de fora pra acompanhar pois, além da repetição, a observação para perceber as nuances sem estar fazendo o exercício – ou sem ser bruxa como a Francesca – pede muita energia e atenção. Hoje, porém acompanhar está sendo um deleite sem o menor esforço. Tento aproveitar das sensações deste último dia, já que é mais uma morte que temos que encarar, o fim da segunda etapa do processo, enquanto já vemos o fim dessa residência franco-italiana: estar sentado no sofá da France, a iluminação indireta e suave do studio, o cheiro, o chá de limão que sempre sou recebido, o som do piano, o céu de Firenze nas janelas, os quadros do Gian Mario por toda a casa, etc, etc, etc…
Enquanto isso, ouço a Paulinha alcançar graves muito baixos pra extensão que ela tinha, e que soam com muita firmeza e controle, que bonito ver esse crescimento. Aliás, pegando carona a um comentário do Diogo num post anterior, assim como ele afirmou que tinha dificuldade de comentar sobre esses posts italianos, eu também acabo ficando mais num lugar de observação do que com o Maurice, quando eu tinha um lugar de intervenção maior. No trabalho de texto eu até participo mais e, principalmente, tento entender como ela trabalha para poder dar continuidade ao trabalho, assim como incorporar pro meu trabalho em geral.
Agora, a aula já terminou e as meninas trabalham as músicas, começando por Mi affaccio alla finestra, e agora Sorte la luna. Enquanto demos uma pausa pra France procurar os acordes do Attenti al Lupo no computador, ela se deu conta que hoje seria o nosso último dia de trabalho! Achou que amanhã ainda daria tempo de trabalharmos, mas o nosso trem sairia às 12h30 daqui. Conversamos um pouco e decidimos mudar a nossa partida pra noite, assim podemos fazer uma última sessão de trabalho! Viva!!!! Toda a melancolia do começo do meu post foi por água abaixo! Ainda bem!
Isso é uma das coisas que mais tenho curtido desse processo. Por nós, e pelos nossos mestres anfitriões, estamos costurando o trabalho de acordo com o que achamos melhor, seguindo o vento…
Depois do Lobo, um pouco de descanso e hora de pegar o texto. A France sugeriu seguirmos com o Monteiro Lobato, mas eu pedi pra trabalharmos o Borracho, personagem que a Paulinha faz no Muito Barulho, e que pede um registro grave e ela sempre acusa desgaste na voz. Pegamos uma só fala (“Estou chegando de lá, senhor, de uma lauta ceia. O príncipe, seu irmão, vem sendo regiamente hospedado e entretido por Leonato”). Foi super importante pra mim termos pego esse texto, porque desde o começo desse trabalho a Francesca fala que não se trata de um trato para a expressão, está num estágio anterior, ou seja, é um treinamento pré-expressivo do texto. Como nesse caso estamos em cima de um espetáculo que já existe, e exige responder a uma determinada situação, encenação e jogo com outros personagens/atores que já são estabelecidos, foi uma oportunidade pra eu ver como a Francesca trabalhar essa primeira parte da organização da palavra, e a segunda de aplicação num envolto estético pré-estabelecido. Hoje, fizemos a primeira parte, só para a colocação da voz num lugar mais interessante. O surpreendente foi que, ao ouvir o texto, após a Paulinha fazer uma “introdução” dizendo que machuca a garganta porque é muito grave pra ela, a primeira coisa que a Francesca falou é que a voz estava muito aguda! E é verdade! Fica um falso invólucro de voz masculina, mas na realidade ela tava puxando pra cima. A Francesca deu uma ajustada, e ficamos de amanhã moldarmos para o que já existe do personagem e da fala.
E assim, chegamos ao fim do dia bem melhor do que começamos: com a certeza que nos veremos amanhã de novo! O último parágrafo já escrevi em casa, ou melhor, no hotel, já que não tive tempo de terminar “ao vivo”.
A domani!!!!
P.S.: A foto não é minha, achei no Google! É o Duomo, a catedral de Firenze, num olhar super sensível sobre o principal cartão-postal da cidade.
Que legal pegarem a voz (as palavras?) do Borracho para trabalharem!
Já tinha pensado nele nesse tempo todo como referência do trabalho vocal da Paulinha, mas havia me esquecido de comentar por aqui.
Nossa… não consigo imaginar ainda em como toda essa experiência irá se transformar em um espetáculo… O quanto todos esses fertilizantes ajudarão a germinar essa nova obra. Acho que também não é o momento de se pensar nisso, mas que dá curiosidade, isso dá!
Aproveitem os últimos momentos italianos, antes de voltar à França!
Beijos!
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