Filha, essa semana aconteceram coisas terríveis aqui em Paris. Dois terroristas invadiram a redação do jornal Charlie Hebdo e assassinaram doze pessoas, dentre elas oito jornalistas e cartunistas muito importantes. Isso aconteceu há 3 km da casa do Maurice. No dia seguinte uma policial foi baleada na rua, e um dia depois outro terrorista invadiu um mercadinho judeu aqui muito perto de onde estamos (cerca de quatro quarteirões) e passou a tarde inteira com reféns, e acabou morto junto com quatro desses reféns. O mundo inteiro está chocado, Hoje aconteceu uma grande marcha na cidade, que mobilizou milhões de pessoas, e nós estávamos lá. Te levamos, porque achamos importante que você vivenciasse um pouco disso, mesmo sem entender o que estava se passando. Mais uma vez, foi incrível te ver ali, curtindo a multidão, encantada com o boneco gigante que o Théâtre du Soleil levou às ruas. Sem entender nada da simbologia de tudo aquilo, tenho certeza que marcas ficaram impressas em você desse dia, da mesma forma que ficaram em nós. São mais de cinco horas da manhã e ainda não consegui dormir, parte pela excitação que me resta desse dia, parte por outros problemas. O que aconteceu hoje vai ter interferência nos acontecimentos dos próximos dias, meses, anos talvez, e nós estivemos fazendo parte de tudo isso. Não tenho a exata ideia do quanto, e se isso vai interferir em alguma forma mais direta no nosso trabalho, mas o fato é que estamos aqui, enquanto mergulhamos nesse universo do exílio e da Tempestade, e não podemos ignorar a força simbólica do que acontece a nossa volta. Fico ansioso pra começar de fato o trabalho e sentir como isso vai reverberar em nós.