20: À bientôt!

Isabelinha, hoje encararmos mais um fim de ciclo. Agora, da primeira jornada parisiense! Hoje voltamos à sala de ensaio do Soleil, para um ensaio isolado antes de partirmos pra Itália. Na volta, teremos mais uma semana nessa sala fantástica, antes do retorno ao Brasil.

Hoje tivemos a presença de uma convidada especial, a querida Carol(l) Cantidio, ex-atriz dos Clowns, amiga potiguar/carioca, que está passando uma temporada por aqui com seu companheiro francês, o Antoine. Estivemos com eles quando fomos assistir a Cia. Brasileira, na semana passada, e agora ela pediu pra estar mais perto da gente nesse processo.

Bom, chegamos lá e fomos ao mise en place tradicional: pegar móveis, elementos de cena, ligar o chauffage, a Paula fazer o “escalfamento”, como o Maurice gosta de falar, etc. Organizamos o espaço de forma a arquibancada ficar como uma das faces do espaço, e uma linha de cadeira, a outra, mantendo as dimensões de 10.00 x 4.00m (acho que antes eu tinha dito 8.00 x 4.00m, que era a medida que eu achava que estávamos trabalhando no L’Épée). Você, minha filhota, demorou um pouco para voltar a respeitar a convenção espacial, acredito que parte por não termos a demarcação do chão, que sempre fez você ser super disciplinada quanto a isso, e parte por eu sentir que você começa a ficar um pouco de saco cheio da solidão e da exigência de bom comportamento nos ensaios. Bom, mais um pouquinho de paciência, meu amor, agora damos uma virada na rotina e ainda teremos um tempinho pra turistar na velha bota, assim o teu coraçãozinho deve dar uma acalmada…

O Maurice começou dizendo que gostaria que retomássemos as cenas cubanas, ou seja, as três consultas da Miranda, e a Cecília ao telefone com o chefe. Topamos, já que achamos que o Shakespeare foi bem amarrado nos últimos dois ensaios.

Por falar em Shakespeare, ao remontarmos o altar, já que no Épée ele ficava direto montado nesse período, o Maurice encontrou no atelier de figurino, que fica ao lado da sala de ensaio, um bonequinho do Shakespeare!!!! Imediatamente se apropriou do bardinho e o acrescentou no nosso espaço de espiritualização! Aproveitei pra finalmente fazer uma contribuição, que já queria fazer há muito tempo, que foram duas fotos: uma do Ernestinho, que acabou virando uma bela influência e material pra nós, e aquela outra que cheguei a postar na capa do post “07: Vivenciar a situação”, do pai abraçado com os dois filhos. Ainda tenho mais uma imagem, ainda mais especial e pessoal, que vou colocar na volta de Firenze.

Bom, fomos pra cena. Antes de começar, definimos como seria a estrutura de cada uma das consultas, já que, quando fizemos antes, não ficou muito claro:

  • Na primeira, só sair debaixo da mesa e fazer o jogo de resistência à boneca e ao material de desenho, e só no final pegar o boneca e voltar pra baixo.
  • Na segunda, sair logo debaixo, e ficar levando papeis e lápis pra baixo da mesa, tentar riscar, desistir, amassar e jogar de volta pra mesa, com raiva, e na saída fazer a boneca olhar os papeis amassados, como teriam feito com ela para ver os pais torturados.
  • Na terceira, fazer a boneca ficar olhando, até que pega o papel e finalmente risca.

Entre a primeira e a segunda, o Maurice pediu pra não parar a música, e ele resolveu fazer um entreato para ligá-las: pegou uma vassoura, e foi passando pelo espaço, varrendo, como um faxineiro do hospital. Entre a segunda e a terceira, só deixamos a música rolar, e também emendamos. Foi bem bonito o trabalho. Da mesa forma que esse trabalho do exílio alimentou o retorno ao Shakespeare, o velho bardo também ajudou muito nessa volta. Claro que o fato da Paulinha estar MUITO mais à vontade com a linguagem, o tempo e o espaço, ajudam muito, mas essas alternâncias têm sido bem interessantes.

Um momento muito interessante, na terceira cena, foi quando a Paulinha propôs uma movimentação com a boneca pra riscar o papel, no chão, girando para as quatro direções e favorecendo toda a plateia. Ela se abaixou diante do papel, e colocou a boneca sentada, que ficou com a cabeça caída, como se olhasse pro papel, e aí riscava. Em seguida, fez o mesmo para as outras três direções. Muito bom!

Outra coisa interessante foi uma solução que surgiu do Maurice, que quando ela finalmente riscou o papel, ele afastou a mesa – segundo explicou em seguida, como um “ato de generosidade ao público”, de forma a torná-la mais visível, e antes de que ela saísse, a mesa voltar, como se tivesse ficado transparente por alguns instantes. Acho que esse tipo de saída é muito bem-vinda pra nossa cena.

Quando terminamos, conversamos um pouco sobre essas coisas, e nos chamou a atenção como a mesa é o espaço da proteção, do refúgio, pra Miranda. No entanto, temos que tomar cuidado pra que não se torne o refúgio pra atriz, o espaço pra Paula fugir quando não surge nada na cabeça pra improvisar! Depois, o Maurice sugeriu uma quarta consulta da Miranda. Agora, seria uma sessão de psicodrama, na qual um rádio vinha tocando uma música (Se me olvido que te olvide, do Grupo folklorico y experimental novayorkino), e supostamente alguém observava como a Miranda reagia a ela.

Assim que começamos, o Maurice sugeriu uma parada pra retomar, porque achou melhor o rádio vir desligado, e a Miranda ligar depois que entrasse em cena. De fato, funcionou melhor. No entanto, na primeira tentativa, a Paulinha ficou numa tentativa inócua de ações, mas nenhuma muito concreta, e não funcionou. O Maurice ainda pediu pra ela sentir o ritmo, mas a relação que ela teve com a música foi a mesma que acontece nas outras cenas todas, em que a função sonora é de pano de fundo, de criação de atmosfera. No entanto, agora a música era um elemento concreto emitido por um objeto de cena, precisava de outra relação por parte da Paula.

Avaliamos e refizemos a cena, desta vez com o rádio vindo de fora depois que a Paula entrava com a mesa, trazida pelo Maurice que atravessava o palco na direção contrária sentado no banquinho. Esses pequenos detalhes dão outra dinâmica e parecem “completar” a cena, é muito interessante. A Paula conseguiu propor mais um pouco, trouxe uma relação ainda tímida da Miranda com a música, mas já existente. Ao final, assistimos o vídeo – não sei se já comentei isso aqui, mas estamos filmando tudo, e nas cenas em que o Maurice participa, assim que acabamos vamos ver pra analisarmos com ele – e ele lembrou que a Miranda é uma menina brasileira, ou seja, tem o suingue nas veias, e “com certeza”, ao ouvir essa música tão suingada, seu corpo se contaminaria com o ritmo sem ela nem perceber. Contou histórias muito bacanas sobre o samba de roda na cidade de Cachoeira, na Bahia, e propôs a Paulinha simplesmente exercitar esse “deixar entrar a música” na situação da Miranda. Colocamos a música e ela experimentou um pouco, conseguiu algumas coisas interessantes, mas não chegamos a repetir a cena em si.

Passamos então para a cena da Cecília ao telefone com o José, o diretor do Hospital. Antes de começar, a Paula deu uma lida no texto que escrevemos, pra relembrar, e fomos pra ação. Assim que a Paula começou, interrompemos, porque faltava a irritação da Cecília com a Margarita, a secretária do diretor, e depois com o próprio. Mais uma tentativa, e ainda não veio, e interrompemos novamente. Foi engraçado, porque o Maurice parou a cena aos berros, porque ele fica de fora da cena completamente envolvido, parece que está dando uma bronca na personagem, me parece que esse tipo de coisa dá uma pilhada boa no ator, porque não tem aquele tom de colocar pra baixo, ao contrário, parece o Bernardinho na beira da quadra! Rsrs…

Por fim, na terceira vez, houve um ganho. No entanto, demos uma conversada e o Maurice apontou que, além das questões da execução, há um problema anterior de roteiro, ou texto, dessa cena. As queixas da Cecília são genéricas demais, o que acaba impossibilitando uma conexão mais concreta com o real. Além disso, eu disse que acho que tem uma incoerência na questão desse retrato de Cuba que o Maurice propõe, parece quase que o exílio está sendo mais sofrido do que a ditadura em si, mas acho que esse não é o momento para pensarmos nisso, já que temos um material que está sendo desenvolvido, e sem dúvida está nos servindo muito bem. Teremos tempo depois para nos debruçarmos nisso com calma.

Antes de terminarmos, o Maurice ainda pegou a Paula e definiu com detalhes toda a sequência de ação das consultas, quando ela desce, quando sobe, quando pega a boneca, etc.

Fomos para os finalmentes do trabalho. Desmontar o circo, enquanto falávamos um pouco sobre o trabalho de hoje. O Maurice disse uma coisa interessante, que é que apesar de incrível, a sala de ensaio do Soleil é muito exigente, não é fácil de lidar, ele que conhece tão bem aquele lugar. De fato, ainda mais na estrutura intimista que temos, a relação fica completamente diferente da salinha do L’Épée, que acabou determinando o tamanho da área cênica.

Eu e o Maurice anda fizemos uns testes de luz, pra na volta da Itália mudar o nosso espaço pro centro da área cênica, e não encostado na arquibancada, como fizemos hoje.

E assim fechamos a primeira etapa de Paris. Seguimos amanhã para Firenze, pra trabalhar com a também grande mestra Francesca della Monica, incrível cantora, diretora de voz, atriz, enfim, uma multiartista genial. Temos algumas pistas para esse trabalho, mas só vamos definir como vai ser exatamente ao chegar lá e começarmos o trabalho. A partir da sexta a Paulinha faz uma oficina que ela vai oferecer em Firenze, pra retomar o trabalho que já conhecemos, mas que não fazemos há muito tempo, e na segunda começa especificamente conosco.

Allez!!!!

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4 comentários sobre “20: À bientôt!

  1. Estou achando muito peculiar esse modo do Maurice de dirigir, acho que essa coisa de ser primeiro ou principalmente ator, e depois ir para a função de diretor (na verdade nem sei se esse é o background dele), mas essa coisa de estar junto, seja dentro ou fora de cena.
    É de se repensar a própria prática…
    🙂

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